A morte do “Meu Barça”

Marçal
4 min readSep 14, 2021

Hoje o Barcelona perdeu de 3 a 0 para o Bayern de Munique pela primeira partida da fase de grupos da Liga dos mesmos Campeões. Pra quem tomou de 8 até outro dia o placar de hoje parece um razoável avanço. Mas o objetivo do texto não é fazer troça com simpatizantes do Barcelona. O que quero aqui é falar sobre o modelo insustentável do futebol de clubes atual.

O Barcelona até poucos anos atrás monopolizava o futebol europeu juntamente com o seu rival de hoje Bayern e o de sempre Real Madrid. Esses três clubes chegaram em inúmeras semifinais de Champions entre 2008 e 2021: pelo menos um deles chegou às semifinais em todas as edições de lá pra cá; e os três chegaram juntos às semis em três oportunidades. Nos últimos anos isso só não se repetiu por culpa do clube espanhol da Catalunha.

O sucesso desses clubes aliado às estrelas que neles jogam popularizou essas equipes em diversas partes do mundo, mais ainda aqui na América do Sul, e um deles em especial, o Barcelona. O clube blaugrana conquistou muitos títulos jogando um futebol vistoso e tendo como principal estrela um dos melhores jogadores sulamericanos das últimas décadas, o cracaço Messi. No Brasil a popularidade do clube antecede o Messi, é verdade: teve a colaboração de Romário, Ronaldo, Rivaldo e sobretudo Ronaldinho, que brilharam entre os anos 90 e 2000 no Camp Nou.

No entanto, a hegemonia de Real Madrid e Barcelona com uma presença de uma constelação em ambas as equipes, com o enfrentamento de dois dos melhores jogadores de todos os tempos, o já citado Messi e o português Cristiano Ronaldo, tornaram o Barcelona ainda maior, mais visto e adorado por bilhões mundo afora. Contudo o ex-clube do Messi, que agora exibe seu talento nas noites parisienses, vive uma fase financeira ruim e nem de longe tem um elenco próximo àqueles que fizeram muitos vibrarem na década passada.

É claro que o apelo do clube continuará existindo por mais algum tempo. Mas em algum momento, numa grande parte daqueles que um dia falaram “meu Barça” nas redes sociais, seja em português ou em outras línguas, o vínculo que se tinha com o Barcelona se findará. A relação que se tem com esses times não é como aquela que desenvolvíamos com nossos clubes locais. É uma relação de consumidor: são pessoas que acompanham um time pelo apelo de uma marca que é valorizada pelo espetáculo que proporciona.

Não é absurdo dizer que muitos desses consumidores que falavam e ainda dizem “Meu Barça” tenham um vínculo emocional maior com as estrelas que lhes proporcionavam um bom espetáculo, grandes exibições e vitórias do que com o clube espanhol. O Barcelona sem esses jogadores e sem os títulos se torna só mais um produto velho que será abandonado por algum outro mais novo logo adiante.

Esse tipo de relação mercantil que domina o futebol moderno (e não só o futebol, mas o mundo) tem seus aspectos positivos, mas os nefastos também. A meu ver os ruins se sobressaem no negócio ludopédico. Um deles é que essa audiência consumidora que quer grife e espetáculos incentiva um modelo péssimo, que é o de clubes buscando estrelas em quantidade, inflacionando o mercado e, como consequência, matando times pequenos e a competição. Florentino Pérez pode ter muitos defeitos, mas como presidente do Real Madrid o polêmico dirigente foi visionário: ao fundar a marca galácticos, ele demonstrou ter compreendido muito bem para aonde o mundo do esporte mais popular do mundo caminhava.

Esse espectador do futebol moderno da era neoliberal (Ei, você de direita, não bufe, uso com uma acepção diferente da esquerda, entendo neoliberalismo como comercialização de tudo) não valoriza mais a disputa que a concretização do idílico de ver vários craques reunidos mesmo que isso seja à custa da competição e, por conseguinte, do esporte. Quando usei acima o substantivo exibição não foi à toa: o jogo é entendido como uma exposição teatral em que as estrelas devem brilhar. A ESPN não anuncia um jogo que um pode ganhar ou perder, mas sim o espetáculo que será dado pelas estrelas, que sempre devem vencer e encantar.

Não é um modelo sustentável. Estrelas envelhecem, clubes se endividam, magnatas compram novas marcas e as tornam apetecíveis a esse novo fã de futebol que eu recuso a chamar de torcedor. Tradicionais clubes vão perdendo o protagonismo para novas marcas futebolistas cujo mérito está em atrair petrodólares. O Barcelona que agora parece encarar seu processo inevitável de milanização (outro colosso que passou por igual situação) sofre as consequências do modelo que o levou às glórias e a um patamar global que não seria possível no futebol de antes em que tais monopólios não eram possíveis.

O “meu Barça” vai saindo do palco e dando lugar a “meus City e PSG”. É só mais do capitalismo, e okay, eu não sou anticapitalista e nem nada próximo disso. Mas que fique claro: não é mais sobre futebol. E há muito tempo deixou de ser.

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Marçal

Pesquisador, professor de História e jornalista não remunerado. Adepto da tese que a base do jornalismo é a crítica. Longe dela o que há é só propaganda.